segunda-feira, dezembro 11, 2006

Chuva forte e vento frio

Vou a passos largos o suficientes para ser rápido, curtos o suficiente para ter o máximo de cuidado. Sinto a água da chuva já enxarcando completamente minha pele por sob a roupa, o guarda-chuva que nos serve de proteção, a 3 quadras já está retorcido tentando acompanhar o vento. Ah, como eu odeio quando chove assim. Sabe aquelas chuvas que você pega, que parecem que vão molhar até os teus ossos? Chuva forte e vento frio? Pois é assim que está agora. Eu não me importaria muito com isso, já tomei muitas chuvas assim indo para casa. Mas desta vez eu não estou sozinho. Estou com meu filho junto, e faço de tudo para que ele não se molhe tanto.
O guarda-chuva finalmente se rendeu ao vento, já não protege mais nada. Sem pensar muito, abro a camisa e coloco meu anjinho dentro dela, tentando mantê-lo aquecido e, pelo menos, um pouco mais protegido - assim penso eu. Pelo menos, neste momento surge uma calçada, e deixo de andar no acostamento. Ainda assim, sei que após essa longa curva, ela termina, e ainda falta muito - pelo menos uns três quilômetros - até nossa casa.
Próximo ao bueiro, um verdadeiro lago se forma devido ao entupimento. Não tenho escolha, tento atravessar pela parte mais rasa, quando nesse momento escuto um ronco forte vindo em nossa direção. Haviam dois carros na pista, um andando calmamente, tentando enxergar por onde ia, enquanto outro maior, atrás, tentava passá-lo, com muita pressa. Nesta manobra, o carro menor acabou passando pela água empoçada, espirrando-a de forma nada agradável. Viro-me rapidamente, a tempo de receber em minhas costas todo aquele banho sujo, mas protegendo com sucesso meu bebê. Olho para ele em meus braços e, pensando ser uma brincadeirinha, ri para mim e me dá um beijo.
Vendo seu sorriso lindo, até me esqueço de praguejar contra o dono do automóvel. Me recomponho e sigo o caminho. Mais á frente, sou obrigado a parar novamente. No cruzamento, há uma confusão generalizada. O carro que antes eu vi, em sua pressa, nem mesmo viu a enorme carreta que deslizou na estrada molhada e o atingiu.
Neste momento eu acordo... completamente molhado. Creio ser suor, devido ao pesadelo... mas não sinto calor, nem mesmo o líquido em meu corpo é denso como tal, se parece mais com... água! Olho para o lado meu filho em seu berço, dormindo. O mesmo sorriso que vi em sonho, ele exibe em seus lábios enquanto dorme. Viro pro canto e tento dormir, mas já não tenho mais sono.

Cinco horas da tarde. Não acredito que o tempo mudou tanto assim. De manhã, um sol escaldante. Agora, esta chuva forte cobre completamente o meu campo de visão. Ligo os limpadores ao máximo, mas nem assim eles dão conta da quantia de água que cai sobre o pára-brisa. Justo agora que estou atrasado. Por que isto sempre acontece comigo, como se Murphy tivesse uma rixa pessoal, sempre fazendo as coisas piorarem em dias difíceis como hoje?
Tento vencer as curvas com rapidez, mas sei que não posso exagerar, o volante já está mole demais. Eis que me surge à frente um pequeno carro, andando bem no meio da pista. Não tenho como passá-lo, e ele está indo muito, muito lento. Mais essa agora. Não adianta, não tenho tempo, vou passá-lo. É, isso, vou passá-lo.
Eis que vejo à frente uma menina... adio um pouco minha decisão, e aproveito a baixíssima velocidade para observar melhor... não, não é uma menina, é uma mulher, mas pequena, de corpo franzino, parece mesmo uma menina. O que ela leva no colo? Ora, é uma criança. Eu e o carro da frente passamos próximo a eles, vejo que há um bueiro entupido. Passo lentamente para não molhá-los, e posso ver perfeitamente o momento em que o pequeno garoto beija o rosto de sua mãe, após um breve sorriso.
Tal beijo desperta algo em mim, como se fosse um "clic". Lembro do meu sonho a noite passada. Lembro das sensações que tive. Sinto minha pele molhada, como se estivesse lá fora na chuva. Não, não pode ser. Páro o carro. Dou meia volta e me aproximo daquela mulher, enquanto desço o vidro da janela.
- Boa tarde, senhora. A chuva está muito forte, não gostaria de uma carona?
Ela olha para mim desconfiada. Sinto que ela está com medo por um estranho a abordar assim.
- O senhor vai até onde, moço?
- Vou justamente por esta mesma rua, até o bairro vizinho.
- Bom, eu vou até além dele. Muito obrigada.
- Eu tenho um filho pequeno, sei como é difícil o que a senhora está passando, por favor, aceite minha carona. Mesmo que seja só por um pouco, já será de grande ajuda.
Com este argumento, ela olha para o filho e olha para mim. E entra no carro. Tento conversar com ela, deixando-a mais à vontade. Tento perguntar qual o nome da criança, mas há algo à frente que exige minha atenção. Um policial me faz sinal para passar, enquanto desvio de uma carreta que colidiu contra o poste da esquina. Pela posição, atravessou o cruzamento.
Passam mil coisas pela minha cabeça. Volto a conversar com a moça, e logo tenho um pequeno diálogo com o lindo garoto, que está aprendendo a falar. Ela diz pode ficar ali mesmo, pois ali é a entrada para a outra estrada que ela iria tomar. Não a deixo descer. Pergunto o caminho, e a levo até em casa. Antes de descer, ela pede para o filho dar um "tchau" pra mim.
- xáu, môsso. bigádu.
- Moço, como posso lhe agradecer?
- Acredite em mim, eu é que tenho muito a lhe agradecer.
Ela desce sem entender nada. Eu volto a andar, desta vez com mais calma. Que me esperem em meu destino.